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Todo dia é um novo 7 x 1

Ou o Varguismo não dá folga


Todo dia é um novo 7 x 1

Um dos assuntos que mais vêm movimentando as redes sociais brasileiras recentemente é o fim da escala 6 x 1, onde o trabalhador tem um dia de descanso após seis dias consecutivos de trabalho. A proposta, de autoria da deputada federal Erika Hilton (PSOL-SP), prevê inicialmente a substituição dessa escala por outra que, supostamente, trará mais qualidade de vida aos trabalhadores. Segundo a própria autora, a ideia seria apresentar uma proposta bastante ambiciosa para, após muitos debates, definir um projeto mais adequado à realidade.

A princípio, a escala proposta é a 4 x 3, que visa ampliar o período de descanso e recuperação, esperando-se um aumento significativo de produtividade, dignidade e qualidade de vida para o trabalhador. A questão que tem gerado muitas discussões é a viabilidade do projeto, diante da relação custo-benefício. Muitos alegam que a demanda por serviços aos fins de semana impõe a necessidade de manutenção do comércio e até mesmo de setores da indústria em funcionamento aos sábados, domingos e feriados. Assim, para garantir a continuidade da oferta, seriam necessárias contratações de mão de obra (o que seria muito bom) ou horas extras. Em qualquer dos casos, poderia haver elevação dos custos de oferta, que seriam, possivelmente, repassados aos usuários ou consumidores, podendo gerar inflação e/ou desemprego.

De fato, segundo estudo elaborado pelo International Institute for Management Development (IMD), em parceria com o Núcleo de Inovação e Tecnologias Digitais da Fundação Dom Cabral (FDC), o Brasil ocupa a posição 62 dentre 67 países analisados. Contudo, ainda de acordo com o estudo, os fatores que puxam para baixo a classificação brasileira são: ineficiência do estado e das empresas, intervencionismo estatal, alta carga tributária, elevada burocracia, índices educacionais ruins, baixo domínio de outros idiomas, e a lista prossegue.

Não é possível interpretar e agir sobre problemas fundamentais que afetam a maior parte da população com decisões rápidas ou emocionais. Usando um aforismo que já se tornou "meme" nas redes sociais: "problemas difíceis não são fáceis". Não pretendemos dar um veredito sobre este tema, nem tampouco agir publicitariamente afirmando, como temos visto em diversos canais de mídia, "o que não te disseram sobre o fim da escala 6x1", ou ainda "tudo o que você precisa saber sobre o fim da escala 6x1". Ainda que este texto seja opinativo, nosso objetivo é agregar mais informações para que você, leitor, decida o que pensar sobre este tema.

Ainda não se passaram 10 anos desde a aprovação da Lei Complementar 150/2015, que regulamentou a Emenda Constitucional nº 72, agregando novos direitos às empregadas domésticas. Naquela época, da mesma forma, pretendeu-se agregar cidadania e qualidade de vida às trabalhadoras domésticas, regulando sua participação no mercado de trabalho. Entretanto, segundo informado pela Agência Brasil em 02/04/2023:

Entendemos que, após a regulamentação, os empregadores buscaram os serviços de diaristas, limitando a dois dias por semana para evitar os custos agregados pela formalização. Na mesma publicação, a Agência Brasil também informa que a crise da pandemia agravou o problema:

"A classe média foi o segmento que mais perdeu renda durante a pandemia, afetando as contratações de domésticas mensalistas. Além disso, com a adoção do home office, muitos assumiram parte das tarefas domésticas antes desempenhadas pelas trabalhadoras domésticas".

Assim, as empregadas domésticas se tornaram reféns e soterradas sob o concreto da legislação trabalhista.

Para falar de legislação trabalhista, precisaremos iniciar com Getúlio Dornelles Vargas, nosso 14º e 17º presidente. É muito comum ouvirmos dizer que foi graças à benemerência de Vargas que o trabalhador pôde ser protegido das agruras do mercado de trabalho. Bem, as coisas não são exatamente assim.

O governo de Getúlio Vargas, ao sancionar a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) em 1º de maio de 1943 em pleno estádio de São Januário no Rio de Janeiro, não pode ser considerado o criador das leis de proteção ao trabalhador no Brasil, como muitas vezes é retratado. A CLT foi, na verdade, uma consolidação das normas trabalhistas que já existiam antes de sua sanção, reunindo-as em um único texto legal. Ainda que algumas novas regras tenham sido criadas àquela época, consolidar e criar são conceitos diametralmente opostos, e é fundamental entender essa distinção ao analisar a evolução do direito trabalhista brasileiro.

O Decreto nº 1.313 de 1891 iniciou a regulamentação do trabalho de crianças e adolescentes exclusivamente na Capital Federal (RJ), assinado pelo chefe do governo provisório, Deodoro da Fonseca. Esse decreto foi uma das primeiras normativas no Brasil que estabeleceu restrições ao trabalho infantil, proibindo o emprego de crianças menores de 12 anos em fábricas.

A primeira grande lei voltada para os direitos dos trabalhadores foi a Lei nº 3.724/1919, que estabeleceu as bases para a proteção do trabalhador em caso de acidente de trabalho. Foi a primeira legislação brasileira a regular as obrigações decorrentes de acidentes de trabalho, estabelecendo o seguro obrigatório contra acidentes do trabalho em algumas atividades.

O Decreto nº 16.300 de 1923, assinado por Arthur Bernardes, regulamentava o Departamento Nacional de Saúde Pública, o trabalho nas fábricas e oficinas, incluindo medidas para proteger mulheres e crianças, estabelecendo limitações para jornadas e condições de trabalho.

O Decreto nº 4.982, de 24 de dezembro de 1925, foi o primeiro a estabelecer o direito a férias remuneradas para os trabalhadores do setor privado no Brasil. O decreto estabelecia que os empregados e operários de estabelecimentos comerciais, industriais, bancários e de instituições de caridade e beneficência deveriam receber 15 dias de férias anualmente, sem prejuízo do seu salário. As férias podiam ser concedidas de uma só vez ou parceladas.

Em 1943, o governo Vargas, por meio do Decreto-Lei nº 5.452, consolidou essas leis dispersas em um único código, tornando o direito trabalhista mais claro e acessível. Portanto, tratava-se essencialmente de um aprimoramento.

Embora a CLT tenha sido responsável por algumas inovações, como o estabelecimento de um terço de férias ou a criação da Justiça do Trabalho, como vimos, muitas dessas inovações estavam dentro de um contexto maior de aperfeiçoamento das leis já existentes.

A eleição direta e com voto secreto que escolheu os deputados constituintes, os quais elaboraram a nova Carta Constitucional de 1934, incluiu em seu texto diversos artigos que contemplavam aqueles decretos e leis de proteção ao trabalhador. Vargas, naquele momento, sancionou o que os constituintes democraticamente escolhidos redigiram e aprovaram.

Esse entendimento é fundamental para esclarecer que, ao contrário do que muitas vezes é sugerido, as leis de proteção ao trabalhador no Brasil não surgiram apenas com Getúlio Vargas, mas sim com um processo gradual e progressivo de regulamentação trabalhista que já estava em curso nas décadas anteriores, muito antes de 1943.

Não se pode negar que, para aquele tempo, a legislação trabalhista foi fundamental para estabelecer os moldes e resguardar a dignidade, formatando o trabalho em caracteres cidadãos e protegendo a saúde e a vida dos trabalhadores. Mas vivemos novos tempos. Novos trabalhos, modalidades e formatos surgiram ao longo do tempo, tornando explícito o dinamismo das novas relações de trabalho.

Conforme vimos, as legislações, a cada ano mais ampliadas, têm reforçado os baixos índices de produtividade e competitividade. O estudo citado reflete este problema quando destaca a "ineficiência do estado e das empresas, intervencionismo estatal, alta carga tributária, elevada burocracia, índices educacionais ruins, baixo domínio de outros idiomas" (...).

Se tomarmos por base a realidade e a história, e não apenas as boas intenções, relembraremos o exemplo das empregadas domésticas citadas anteriormente. Constataremos que, em um dos países menos burocráticos nas questões trabalhistas, os Estados Unidos, atraem-se ano após ano massas de trabalhadores brasileiros, muitos deles ilegais, buscando na quase total ausência de regulamentações uma oportunidade de ganhos financeiros reais.

O Brasil, como fornecedor de commodities, tem sido bem-sucedido, mas quando entra na disputa por mercados internacionais de produtos industrializados, se vê ancorado pela sua legislação. Nossos custos são maiores. Se observamos o setor terciário da economia, que abrange o comércio e a prestação de serviços, percebemos que a geração de vagas está sujeita às limitações de demanda de consumo, e esta se vincula aos custos da produção industrial. Temos um círculo vicioso que vai estagnando nosso ambiente econômico e de trabalho.

Finalmente, é fundamental refletir sobre as propostas regulamentadoras, para além dos benefícios imediatos, do raciocínio simplista e da satisfação dos desejos mais imediatos. O assunto é sério, envolve nosso presente, mas principalmente nosso futuro. Se não atentarmos para a escala 6 x 1 agora, teremos em breve mais um 7 x 1.


Artigo publicado na Revista Conhecimento & Cidadania Vol. III N.º 48 – Edição de Novembro de 2024 - ISSN 2764-3867





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